29 de dez. de 2010

Aula 12 - Novos direitos, novos desafios - I

O princípio da igualdade exige que as especificidades e as diferenças entre todas as pessoas sejam observadas, reconhecidas e respeitadas. Somente mediante essa perspectiva é possível passar da igualdade formal para a igualdade material ou substantiva. Tal perspectiva concretizou-se com o processo de multiplicação dos direitos humanos que envolveu não apenas o aumento dos bens merecedores de tutela, mediante a previsão dos direitos à prestação (como os direitos econômicos, sociais e culturais), como também envolveu a extensão da titularidade de direitos.
Os sistemas normativos internacional e nacional passam a reconhecer gradativamente direitos endereçados às crianças, aos idosos, às mulheres, às pessoas vítimas de tortura, às pessoas vítimas de discriminação racial, dentre outros.
No âmbito internacional, são elaboradas a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção Internacional contra a Tortura, a Convenção sobre os Direitos da Criança, dentre outros importantes instrumentos internacionais.
No caso brasileiro, o processo de especificação do sujeito de direito ocorreu fundamentalmente com a Constituição Brasileira de 1988 que, por exemplo, traz capítulos específicos dedicados à criança, ao adolescente, ao idoso, aos índios, bem como dispositivos constitucionais específicos voltados às mulheres, à população afro-descendente, às pessoas portadoras de deficiência etc.

1. Direito à Nacionalidade
A nacionalidade é o vínculo jurídico-político da pessoa a determinado Estado Nacional (país). É por meio da nacionalidade que identificamos sob que regime e sistema político a pessoa vive e quais os seus direitos e deveres, segundo as leis do Estado do qual ela é nacional.
Para considerar a importância do direito à nacionalidade, pense na situação da pessoa que não é nacional de nenhum país – o apátrida (sem pátria, sem nação). Que direitos ele tem? Quais são os seus bens jurídicos? Quais são as normas que fundamentam seus direitos? No caso do apátrida, todas essas perguntas ficam sem respostas. Ainda que exista um relevante sistema de proteção internacional dos direitos humanos, pode-se afirmar que o direito à nacionalidade compõe o direito a ter direitos.
Nessa situação, pode encontrar-se o “refugiado” que, segundo o Estatuto do Refugiado (artigo primeiro, incisos I, II e III) caracteriza-se como sendo todo indivíduo que “devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país” ou, ainda, aquele(a) que, “não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior”; ou que “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.
A Constituição de 1988 determina que a nacionalidade pode resultar de fato natural – o nascimento – ou de fato voluntário, ocorrido depois do nascimento. No primeiro caso, a Constituição prevê, no seu Art. 12, I, que são brasileiros natos:

a.os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b.os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; e

c.os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.

No caso da nacionalidade por fato voluntário, a Constituição, no Art. 12, II, estabelece que serão brasileiros naturalizados:

a.os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b.os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

A Constituição veda à lei estabelecer qualquer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos caso previstos na própria Constituição (Art. 12, Parágrafo 2º).
Outro importante passo dado em direção à promoção dos direitos humanos, foi a Mobilização Nacional pelo Registro de Nascimento em 25 de outubro de 2003 para garantir os direitos a um nome e um sobrenome a milhares de brasileiros e brasileiras. Com o registro de nascimento a pessoa passa a existir enquanto indivíduo sujeito de direitos e pode pleitear a satisfação desses direitos. Com essa mobilização e outros estudos foi criado o Plano Nacional Para Registro Civil de Nascimento que tem a missão de estabelecer ações articuladas que garantam a certidão de nascimento a todos os brasileiros. Outras metas previstas no plano são erradicar o sub-registro de nascimento até outubro de 2006 e fortalecer o sistema brasileiro de registro civil.

2. Direito ao Meio Ambiente
A Constituição Federal de 1988 inovou ao dedicar um capítulo próprio ao direito ao meio ambiente. Trata-se do Capítulo VI do Título VIII – Da Ordem Social que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Art. 225, caput).
O avanço tecnológico acelerado, ocorrido a partir da Revolução Industrial no final do século XVIII e acentuado ainda mais a partir de meados do século XX, além de trazer comodidades e novos confortos para parte da população mundial também implicou a drástica devastação do meio ambiente, gerando graves ameaças para a saúde do equilíbrio ecológico e da vida no planeta.
A tomada de consciência desse perigo, sobretudo a partir da década de 1970, e o imenso patrimônio ecológico e de biodiversidade do Brasil aparecem finalmente refletidos no Capítulo da Constituição dedicado ao direito ao meio ambiente quando se reconhece o direito ao meio ambiente equilibrado como “um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.
Observe que o reconhecimento desse direito não se limita ao presente, mas implica em verdadeiro pacto entre as gerações presentes e futuras. Isto é, todos nós, além de titulares do direito ao meio ambiente, temos o dever de preservá-lo para os nossos descendentes. Trata-se da expressão do valor de fraternidade entre todos os povos e entre gerações.

3. Direito dos Povos Indígenas
Os povos indígenas foram os habitantes originários do território brasileiro. Sabemos que, ao longo do período Colonial, esses povos foram escravizados, explorados e dizimados pelos colonizadores. Mesmo depois da Independência e da proclamação da República, o avanço na ocupação de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas feriu mortalmente as tradições e mesmo a sobrevivência de vários grupos indígenas.
A Constituição de 1988 traduz o reconhecimento dessa dívida histórica e da vulnerabilidade social dos povos indígenas e tem como objetivos proteger suas tradições, além de sinalizar, com medidas afirmativas, o respeito à dignidade dos povos indígenas. Esse é o espírito com que deve ser lido e interpretado o caput do Art. 231, que abre o capítulo dedicado aos povos indígenas: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Além de tornar dever dos poderes públicos a proteção e respeito ao patrimônio material, social e cultural dos povos indígenas, a Constituição também atribui aos próprios indígenas, suas comunidades e organizações a legitimidade para defender seus direitos e interesses ativamente perante o Poder Judiciário. Se, anteriormente à Constituição de 1988, os povos indígenas (silvícolas) eram considerados sujeitos de direito relativamente capazes, com a sua publicação, eles adquirem capacidade jurídica plena.
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI é o órgão do governo brasileiro que estabelece e executa a Política Indigenista no Brasil, dando cumprimento ao que determina a Constituição de 1988. Na prática, significa que compete à FUNAI promover a educação básica dos povos indígenas, demarcar, assegurar e proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas, estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos indígenas.
No âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, cabe ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD, criado em outubro de 2001, a função de propor e acompanhar políticas públicas para a defesa dos direitos de indivíduos e grupos sociais vítimas de discriminação racial e étnica ou outra forma de intolerância, dentre estes, os povos indígenas.


Referências bibliográficas
ZAJDSZNAJDER L. Ética, estratégia e comunicação. Rio de Janeiro; Editora FGV; 1999; 28-29.
NOLETO M.A. Subjetividade jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre; Sergio Antonio Fabris Editor; 1998; 43: 42: 48.
CAMPILONGO, C.F. Direito, cidadania e justiça: ensaio sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofias jurídica: o trabalhador e o direito à saúde: a eficácia dos direitos sociais e o discurso neoliberal. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 995; 37: 134: 136.
WESTPHAL M.F., Almeida, ES. Gestão de serviços de saúde: descentralização, municipalização do SUS. São Paulo; Editora da Universidade de São Paulo; 2001; 14-49.
BERTOLLI, CF. História da saúde pública no brasil. 4ª Ed. São Paulo; Editora ática; 2001.


Links interessantes
Direitos humanos: http://www.dhnet.org.br/inedex.htm, após acessar a página, clique em banco de dados, depois em textos e reflexões.

Direito à nacionalidade

Estatuto do Refugiado: http://www.dhnet.org.br/ direitos/sip/onu/asilo/lex162.htm  

Lei do Registro Único de Identidade Civil (Lei nº 9.454):

Direito ao meio-ambiente

Direitos dos Povos Indígenas:

Regimento da FUNAI:

Estatuto do Índio http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/estatuto_indio.html

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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