15 de dez. de 2010

Aula 3 - Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos

O sistema interamericano de direitos humanos é um dos três sistemas regionais de proteção a direitos ao lado dos sistemas europeu e africano. É o segundo sistema regional mais consolidado no mundo. O sistema interamericano é formado por uma série de documentos internacionais, entre eles:

1) Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948).

2) Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José (1969).

3) Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ou Protocolo de San Salvador (1988).

4) Protocolo à Convenção Americana de Direitos Humanos para Abolição da Pena de Morte (1990).

5) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994).

6) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985).

7) Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiências (1999).

8) Convenção Interamericana sobre Desaparecimentos Forçados (1994).

O sistema regional interamericano consolida-se principalmente com o ressurgimento da democracia nas Américas. Sua estrutura central é estabelecida pela Convenção Americana, adotada pela Organização dos Estados Americanos em 22/11/1969. Dos 35 Estados-membros da OEA, 25 são membros da Convenção.
A Convenção traz patamares mínimos de direitos humanos, que orientam os estados partes nesta Convenção a se comprometerem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição. Sendo bem mais detalhada que outras convenções do âmbito global, trata principalmente de direitos civis e políticos, tocando, de forma genérica, em seu artigo 26, nos direitos econômicos, sociais e culturais.
A Convenção é complementada por seus protocolos, pela Carta da Organização dos Estados Americanos e pelas outras convenções do sistema interamericano. Os direitos econômicos, sociais e culturais são tratados de modo detalhado pelo Protocolo de San Salvador. O Protocolo contra a pena de morte estabelece uma vedação mais clara a essa pena que o artigo 4º da Convenção Americana. Da mesma forma, a Convenção Interamericana relativa à mulher introduz a questão da violência, não levantada de forma expressa nem na Convenção Americana nem na Convenção sobre a Mulher do sistema global. A Convenção Interamericana contra a Tortura torna mais claro o direito contra a tortura indicado no artigo 5º da Convenção Americana, repetindo, em grande parte, a Convenção contra a tortura do sistema global.
A seguir, trataremos sobre dois órgãos de monitoramento no sistema interamericano de direitos humanos: a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.


1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos
A Comissão é um órgão quase judicial, sediado em Washington, capital dos Estados Unidos da América - EUA. Atualmente, tem por base dois tratados do sistema interamericano: a.) Carta da Organização dos Estados Americanos de 1948 (alterada em 1970) e b) Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (em vigor desde 1978).
A Comissão é formada por sete membros eleitos pela Assembléia Geral da OEA para um mandato de quatro anos. A partir de 2004, são estes os membros da Comissão: José Zallaquett (Chile), Clare Roberts (Antigua y Barbuda), Evelio Arévalos (Paraguai), Freddy Trejo (Venezuela), Florentín Meléndes (El Salvador), Susana Villarán (Peru) e Paulo Sérgio Pinheiro (Brasil). Já fizeram parte da Comissão os brasileiros: Hélio Bicudo, que chegou à presidência; Gilda Russomano e Carlos Abranches.
A Comissão é órgão representativo de todos os Estados-membros da OEA. Não se restringe, portanto, aos Estados-membros da Convenção Americana. Os EUA não são parte da Convenção Americana.
Entre suas atribuições, a Comissão analisa relatórios apresentados por Estados membros, comunicações interestatais e petições individuais. De acordo com o Relatório Anual de 2002 da Comissão Interamericana, foram apresentadas 4.656 denúncias, sendo 3.785 delas por parte de grupos argentinos e 30 de grupos ou indivíduos brasileiros. Em 2001, apenas 718 denúncias haviam sido apresentadas.
Ainda conforme o Relatório, 83 casos foram abertos pela Comissão em 2002, sendo três referentes ao Brasil. Foram concedidas 91 medidas destinadas à prevenção de dano irreparável a pessoas em casos sérios e urgentes, sendo seis delas para casos envolvendo o Brasil.
Qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos pode apresentar petições à Comissão sem que haja necessidade de serem acompanhados por um advogado.
A Comissão condenou o Brasil por violação de direitos previstos na Convenção Americana em quatro casos: o Carandiru, o da Candelária, o de Maria da Penha e o de Diniz Bento da Silva.
O caso Carandiru, denunciado em 1992, analisou o assassinato de 111 detentos por policiais na Casa de Detenção de São Paulo, hoje desativada. A Comissão solicitou que o Estado compensasse as famílias das vítimas e que tomasse medidas para prevenir novas ocorrências.
O caso Candelária tratou do assassinato de oito crianças e adolescentes nas proximidades da Igreja Candelária no Rio de Janeiro, em julho de 1993. A denúncia apontou para a autoria de policiais militares. A Comissão sugeriu que houvesse investigações e o pagamento de indenização às famílias.
O caso Maria da Penha, instaurado em agosto de 1998, explicitou a demora da justiça penal brasileira em julgar a tentativa de homicídio intentada contra Maria da Penha por seu ex-esposo. A justiça deixou que se passassem mais de 15 anos sem que houvesse uma sentença definitiva. A Comissão solicitou ao Estado que, entre outras medidas, completasse rápida e efetivamente o processamento penal da tentativa de homicídio, investigasse irregularidades do processo ou irregularidades que levaram à demora injustificada e indenizasse a vítima.
Por fim, o quarto caso, decidido em 2002, versou sobre o assassinato de Diniz Bento da Silva pela polícia militar do Estado do Paraná, em 1993, em decorrência do seu envolvimento com o Movimento dos Sem Terra – MST e da ineficácia das investigações conduzidas para a apuração do crime. A Comissão entendeu que o Brasil violou os direitos à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial, recomendando que o Estado conduzisse investigações sérias, efetivas e imparciais e punisse os responsáveis pelo crime. Recomendou ainda que assegurasse adequada indenização às famílias das vítimas e prevenisse confrontos com trabalhadores rurais em disputas por terras, promovendo a negociação pacífica dos conflitos.
Há ainda um quinto caso onde houve uma solução amistosa: o caso de Zé Pereira. Em 1989, José Pereira, então com 17 anos, foi gravemente ferido por pistoleiros que tentavam impedir a fuga de trabalhadores mantidos em condições escravas na fazenda Espírito Santo, no estado do Pará. O Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade internacional neste caso por não ter sido capaz de prevenir a ocorrência da prática do trabalho escravo, nem de punir os indivíduos diretamente responsáveis pelas violações denunciadas. Além disso, determinou o pagamento de cinqüenta e dois mil reais à vítima, pagos em 25 de agosto de 2003. O Estado Brasileiro comprometeu-se ainda a promulgar leis e a aprimorar a fiscalização sobre o trabalho escravo no País.


2. Corte Interamericana de Direitos Humanos
A Corte foi criada pela Convenção Americana, sendo cláusula facultativa nesta Convenção. Isso significa que para entrar em vigência essa cláusula depende da ratificação do tratado (Convenção Americana) pelo Estado e ainda de uma declaração específica desse, reconhecendo a atribuição adicional. Dos 25 Estados pertencentes à Convenção, 22 declararam reconhecer a jurisdição da Corte até novembro de 2002, dentre eles o Brasil, que o fez em 10 de Dezembro de 1998. Antonio Augusto Cançado Trindade, brasileiro, foi o presidente da Corte por dois mandatos consecutivos de 1999 a 2003.
Além da Corte Interamericana há apenas dois órgãos judiciais permanentes já constituídos no âmbito internacional de proteção de direitos humanos: a) a Corte Européia de Direitos Humanos – que trata da responsabilidade de Estados; b) o Tribunal Penal Internacional, que trata da responsabilidade criminal de indivíduos.
A Corte Interamericana, composta por sete membros eleitos para um mandato de seis anos, possui duas atribuições: a) Consultiva (art. 64, Convenção) e b) Contenciosa (art. 61-63 e 66-69, Convenção).
Pela jurisdição consultiva, qualquer Estado membro da OEA pode solicitar que a Corte emita pareceres sobre a Convenção Americana ou sobre quaisquer outros tratados de direitos humanos, como, por exemplo, o Parecer n.º 14 (1999), que estabeleceu que a publicação de leis contrárias aos tratados internacionais seriam violadoras do deveres assumidos pelo Estado com a ratificação.
Pela jurisdição contenciosa, a corte pode analisar denúncias de violações de direitos feitas pelos Estados americanos. Citam-se dois casos analisados pela Corte em jurisdição contenciosa: o caso Velásquez Rodriguez e o caso Urso Branco.
O caso Velásquez Rodriguez mostrou ser possível que, ao analisar um caso individual, a Corte poderia também analisar violações sistemáticas ligadas a ele. O caso foi apresentado em 1981 à Comissão. A decisão deu-se em 1988. Velásquez foi preso, torturado e morto pelas Forças Armadas de Honduras em 1981. De 1981 a 1984, de 112 a 130 outros desaparecimentos ocorreram nas mesmas circunstâncias do de Velásquez. A Corte considerou que Honduras havia violado os artigos 4º (direito à vida), 5º (direito à integridade pessoal) e 7º (direito à liberdade pessoal) da Convenção Americana.
O Caso Urso Branco envolveu o massacre de detentos na Penitenciária de Urso Branco, em Porto Velho, Rondônia. Em março de 2002, após um massacre ocorrido entre detentos que causou a morte de mais de 30 pessoas, a Comissão requisitou à Corte a determinação de medidas preventivas em favor de 47 presos. A Corte determinou as medidas em 18 de junho de 2002. Até 1999, 63 casos haviam sido analisados. Em 2002, apenas sete casos foram levados à Corte.

Referências bibliográficas
CUNHA, Luiz Henrique Alves da. Direito internacional moderno. Brasília: Ed. Campos, 1980.

Links interessantes

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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