21 de dez. de 2010

Aula 7 - Convenções Internacionais (Parte III)

1. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)
O sistema global de proteção aos direitos humanos reconhece, em vários de seus instrumentos, os direitos da criança. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê o direito da criança a não-discriminação e a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher elucida o princípio do interesse primordial da criança. A Convenção sobre os Direitos da Criança trata de uma série de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, seguindo a Declaração sobre os Direitos da Criança da ONU (1959).
Concentraremos nossa análise sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança, que é a estrutura central do aparato de proteção relativo à criança. A Convenção foi adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1989 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1990. Em julho de 2003, a Convenção contava com 192 ratificações, inclusive a do Brasil, a partir de 1990.
A Convenção começa com a definição de criança: "Todo ser humano menor de 18 anos de idade, salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes". Houve problemas em se estipular tanto a idade de início quanto a do fim da infância.
Tanto direitos civis e políticos, quanto direitos econômicos, sociais e culturais são previstos na Convenção. Em seus quase 60 artigos, a Convenção enumera os direitos da criança à vida, à identidade, à liberdade de expressão, à liberdade de pensamento, à privacidade, ao acesso a informações, a não sofrer maus tratos, a receber assistência humanitária, a ter reconhecidas necessidades especiais decorrentes de deficiências, à saúde, à previdência social, à habitação, ao vestuário, à educação, ao lazer, às garantias processuais, dentre outros.
A criança possui, como qualquer outro ser humano, dignidade. É com base nessa dignidade que são concedidos à criança os mesmos direitos dos adultos. Porém, com base em vulnerabilidades específicas da criança, ela tem direitos especiais. O fato de a criança ser uma pessoa em desenvolvimento leva ao reconhecimento de dois princípios básicos: o do tratamento especial e o dos interesses superiores da criança. O princípio do tratamento especial trata da necessidade de adoção de medidas contrárias à mortalidade infantil e à desnutrição, além de regras específicas relativas à adoção e à adequação do processo penal à situação da criança. O princípio da prioridade dos interesses concede aos direitos da criança uma relevância ímpar, em decorrência da vulnerabilidade da criança e do seu potencial como construtora de um futuro voltado à efetivação dos direitos humanos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança destaca ainda um terceiro princípio: o da participação. Ele consiste basicamente em dois direitos: o da liberdade de expressão e o do acesso à informação. Esse princípio traz duas implicações: o aumento da possibilidade de que as violações aos direitos da criança sejam efetivamente punidas e afastadas e uma melhor percepção e um melhor atendimento às reais necessidades da criança. O Comentário Geral n.º 1, adotado em 2001 pelo Comitê sobre os Direitos da Criança, interpreta extensivamente, em seu parágrafo 20, o artigo 13, ao determinar que a divulgação do texto da Convenção sobre os Direitos da Criança deverá alcançar as crianças de modo a possibilitar que elas promovam e defendam seus próprios direitos.

2. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984)
A Convenção contra a Tortura, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1984, estabelece em seu artigo 1º a definição de tortura:

"qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.".

Dessa forma, a Convenção abrange as práticas que produzam dolosamente (com intenção, proposital) sofrimento físico ou mental, e que visem a um desses cinco fins: a) obtenção de informações (ou de confissão; b) castigo; c) intimidação; d) coação (imposição); e) materialização da discriminação com base na cor, raça, gênero, orientação sexual, religião, origem, classe social ou em outra discriminação de qualquer natureza.

A Convenção restringe sua jurisdição às práticas cometidas por "funcionários públicos ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência", visando a coibir condutas que violem a integridade física e a dignidade daqueles sob custódia do poder público. De fato, a tortura institucionalizada, aplicada como instrumento para a obtenção de provas ou para a imposição de punição, foi adotada inúmeras vezes ao longo da história, desde o Código de Hamurabi, no século XVIII a.C. até a Ad Extirpanda, do Papa Inocêncio IV, em 1252 – que permitia o uso da tortura ou dos tormentos para se obter a confissão dos suspeitos de heresia (doutrinas ou ações que vão contra os dogmas de uma igreja) – e o Manual do Inquisidor, do inquisidor Bernardo Gui.
A tortura ainda é bastante praticada atualmente, embora não oficialmente, em um grande número de países, inclusive no Brasil. Inclui, por exemplo: torturas posicionais (ficar de cabeça para baixo, por exemplo), queimaduras, asfixia, choques elétricos, exposição a substâncias químicas, amputação médica, uso de doses tóxicas de medicamentos, más condições de detenção, privação de estimulações sensoriais normais (ficar sem luz, com pouco ar, por exemplo), humilhações, ameaças, coerção para ferir terceiros ou para testemunhar a tortura de terceiros, violação de tabus (exigir que alguém faça algo com o qual não concorda, abomina, por exemplo), lesões várias e violência sexual.
O Brasil ratificou a Convenção contra a Tortura em 28 de setembro de 1989, mas não fez as declarações de que tratam os artigos 21 e 22 da Convenção no que diz respeito ao reconhecimento da competência do Comitê contra a Tortura para receber e analisar comunicações estatais e individuais. Em junho de 2001, a Convenção contava com 124 Estados-membros, inclusive o Brasil, a partir de 1989.
A Lei brasileira 9455/97, que torna a prática de tortura crime, propõe uma definição de tortura mais ampla do que aquela da Convenção Internacional no que toca aos possíveis praticantes. Enquanto a Convenção apenas admite como violador o Estado, a Lei brasileira entende como tortura também o sofrimento imposto por particulares. O fato foi objeto de análise do Relator Especial para a Tortura, que indicou: “Deve-se notar que, de acordo com a definição brasileira, o crime de tortura não é limitado aos atos cometidos por funcionários públicos. Todavia, a lei estipula uma punição mais severa quando o crime é cometido por um agente público”.

Referências bibliográficas
1. UNICEF. Relatório da Situação da Infância e Adolescência Brasileiras. Brasil: UNICEF, 2004.
2. MARCÍLIO, Maria Luísa. A lenta construção dos direitos da criança brasileira: século XX. São Paulo: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo/Comissão de Direitos Humanos.

Links interessantes

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário