23 de dez. de 2010

Aula 9 - Direitos Humanos na Constituição

1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana pode ser considerada como o fundamento último do Estado Brasileiro. Ela é o valor-fonte a determinar a interpretação e a aplicação da Constituição, assim como a atuação de todos os poderes públicos que compõem a República Federativa do Brasil. Em síntese, o Estado existe para garantir e promover a dignidade de todas as pessoas. É nesse amplo alcance que está a universalidade do princípio da dignidade humana e dos direitos humanos.
Como valor-fonte, é da dignidade da pessoa humana que decorrem todos os demais direitos humanos. A origem da palavra dignidade ajuda-nos a compreender essa idéia essencial. Dignus, em latim, é um adjetivo ligado ao verbo decet (é conveniente, é apropriado) e ao substantivo decor (decência, decoro). Nesse sentido, dizer que alguém teve um tratamento digno significa dizer que essa pessoa teve um tratamento apropriado, adequado, decente.
Se pensarmos em dignidade da vida humana ou o que é necessário para se ter uma vida digna, começaremos a ver com mais clareza como todos os direitos humanos decorrem da dignidade da pessoa humana. Para que uma pessoa, desde sua infância, possa viver, crescer e desenvolver suas potencialidades decentemente, ela precisa de adequada saúde, alimentação, educação, moradia, afeto; precisa também de liberdade para fazer suas opções profissionais, religiosas, políticas, afetivas, etc.
Portanto, a dignidade da pessoa humana implica em todas as múltiplas e mínimas necessidades e capacidades para uma vida decente. Esse conjunto de necessidades e capacidades nada mais é do que o conteúdo dos direitos humanos, reconhecidos, por essa razão, como princípios e direitos fundamentais na Constituição Brasileira.
A dignidade é um atributo essencial do ser humano, quaisquer que sejam suas qualificações. Em última instância, a dignidade humana reside no fato da existência do ser humano ser em si mesma um valor absoluto, ou como disse o filósofo alemão Kant: o ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e nunca como um meio ou um instrumento para a consecução de outros fins.
Por isso é que o Estado deve ser um instrumento a serviço da dignidade humana e não o contrário. Por essas razões, o princípio da dignidade da pessoa humana exige o firme repúdio a toda forma de tratamento degradante (indigna) do ser humano, tais como a escravidão, a tortura, a perseguição ou mau trato por razões de gênero, etnia, religião, orientação sexual ou qualquer outra.
É em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana que a Constituição de 1988, no seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, afirma uma extensa relação de direitos individuais e coletivos (Capítulo I, Artigo 5º), de direitos sociais (Capítulo II, Artigos 6º a 11), de direitos de nacionalidade (Capítulo III, Artigos 12 e 13) e de direitos políticos (Capítulo IV, Artigos 14 a16).

1.1 - Prevalência dos Direitos Humanos nas Relações Internacionais
A Constituição de 1988, em seu Artigo 4º, inciso II, é a primeira em nossa história a estabelecer a prevalência dos direitos humanos como princípio do Estado Brasileiro em suas relações internacionais.
Se a dignidade da pessoa humana, com todos os direitos humanos dela decorrentes, deve orientar a atuação do Estado no âmbito nacional, seria contraditório renegar esses princípios no âmbito internacional. Afinal, não são apenas os brasileiros que devem ter sua dignidade humana respeitada e promovida, mas todas as pessoas, todos os seres humanos, pelo fato único e exclusivo de serem pessoas. Negar a prevalência desse princípio nas relações internacionais seria negar a humanidade dos que não são brasileiros.
Assim, ao afirmar esse princípio, o Estado Brasileiro compromete-se a respeitar e a contribuir na promoção dos direitos humanos de todos os povos, independentemente de suas nacionalidades.
A prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais ganha maior relevância no momento histórico em que vivemos, no qual, em virtude do desenvolvimento tecnológico, as distâncias entre as nações tendem a se encurtar cada vez mais e todas as pessoas tendem a se tornar verdadeiras cidadãs do mundo.
Um Estado regido pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana não pode desprezar as violações dos direitos humanos praticadas por ou em outros Estados. Com a adoção desse princípio, o Brasil une-se à comunidade internacional, assumindo com ela e perante ela a responsabilidade pela dignidade de toda pessoa humana.
A Carta de 1988 é a primeira constituição nacional a consagrar um universo de princípios que guiam o Brasil no cenário internacional, fixando valores que orientam a agenda internacional do País. Essa orientação internacionalista se traduz nos princípios da prevalência dos direitos humanos, da auto-determinação dos povos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, nos termos do artigo 4º, incisos II, III, VIII e IX. O artigo 4º, como um todo, simboliza a reinserção do Brasil na arena internacional.
Essa inovação em relação às Constituições anteriores consagra a prioridade do respeito aos direitos humanos como a principal referência para a atuação do País no cenário internacional. Isso implica não apenas o engajamento do Brasil no processo de elaboração de normas internacionais de direitos humanos, mas também a busca da plena incorporação de tais normas no direito interno. Implica ainda o compromisso de adotar uma posição política contrária aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados.
Ao reconhecer a prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais, o Brasil também reconhece a existência de limites e condicionamentos à soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado fica submetida a regras jurídicas, tendo como padrão obrigatório a prevalência dos direitos humanos. Rompe-se com a concepção tradicional de soberania estatal absoluta, relativizando-a em benefício da dignidade da pessoa humana. Esse processo condiz com o Estado Democrático de Direito constitucionalmente pretendido.
Se para o Estado brasileiro a prevalência dos direitos humanos é princípio a reger o Brasil no cenário internacional, está-se, conseqüentemente, admitindo a idéia de que os direitos humanos são tema de legítima preocupação e interesse da comunidade internacional. Nessa concepção, os direitos humanos surgem para a Carta de 1988 como tema global. Tudo isso tem levado o Brasil a adotar os mais relevantes tratados internacionais de direitos humanos.
Também é de extrema importância o alcance da previsão do Artigo 5º, parágrafo 2º da Carta de 1988, ao determinar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Isto é, ao aderir a um tratado internacional de direitos humanos, o Brasil não apenas assume compromissos perante a comunidade internacional, mas também amplia o catálogo de direitos humanos previstos em nossa Constituição.

Referências bibliográficas
Constituição 1988: Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. – Ed. Atual. Em 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988, 336p.
ARANHA M.L.A., Martins, MHP. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo; Editora Moderna Ltda.; 1992; 147.


Links interessantes
Constituição Federal – 15 anos – a dignidade humana:

O Direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana:

Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil:

Tratados de direitos humanos e direitos interno:

A influência dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no direito interno brasileiro:

Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados:

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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