20 de dez. de 2010

Aula 6 - Convenções Internacionais (Parte II)

1. Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) - CEDAW
O processo de internacionalização dos direitos da mulher começa com o processo de internacionalização dos direitos humanos. O reconhecimento de que o indivíduo é titular de direitos pelo simples fato de sua humanidade atinge também as mulheres. No entanto, a enunciação universal de direitos não se mostrou suficiente para resguardar os direitos de grupos específicos, carentes de meios especiais de proteção. Nesse sentido, tanto as Nações Unidas quanto o sistema interamericano de direitos humanos decidiram adotar Convenções de direitos humanos que explicitassem as especificidades de diferentes sujeitos de direitos, como as crianças, os membros de minorias étnicas e as mulheres.
Em 1979, a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi adotada no âmbito do sistema global. Seguindo a estrutura da Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Mulher define no seu artigo 1º, a discriminação contra a mulher:

“Para fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação contra a mulher’ significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.

A Convenção teve como objetivo tratar sobre qualquer distinção, exclusão ou restrição que pudesse anular o exercício de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, direitos à igualdade na vida política, no casamento, na educação e no mercado de trabalho, à proteção especial durante a gravidez, a serviços médicos – inclusive ao planejamento familiar – à participação na vida cultural, à seguridade social, à igualdade civil, à liberdade de movimento, à igualdade de direitos e responsabilidades frente aos filhos, dentre outros.
Até junho de 2001, a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher já havia alcançado 168 ratificações, inclusive a do Brasil, a partir de 1984.
Mas apesar do amplo número de ratificações, a Convenção da Mulher é a que tem o maior número de reservas. O Brasil fez reservas aos artigos referentes à igualdade no casamento. As reservas foram retiradas apenas em 20/12/94. Em 2002, o Brasil reconheceu a jurisdição do Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher para receber petições individuais.


2. Convenção de Belém do Pará ou Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994)
A Convenção de Belém do Pará trata especificamente da violência contra a mulher. No seu artigo 1°, define essa forma de violência como "qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na esfera privada". Em seguida, afirma em seu artigo 2°, alínea a, que essa violência pode ocorrer “no âmbito da família ou na unidade doméstica, ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não da mesma residência com a mulher, incluindo, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual”.
A supracitada Convenção é o primeiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer, de forma enfática, a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança um elevado número de mulheres sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição. A Convenção afirma, ainda, que a violência contra a mulher é grave violação aos direitos humanos e ofensa à dignidade humana, sendo manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.
A Convenção abre a possibilidade de apresentação de petições por qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. As petições que chegam à Corte Interamericana de Direitos Humanos podem ser relacionadas a denúncias sobre eventual ação ou omissão do Estado quanto à prevenção, investigação e punição da violência contra a mulher; à adoção de normas penais, civis e administrativas que erradiquem a violência; ao estabelecimento de procedimentos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência.
Nessa linha, a Convenção de Belém do Pará responsabiliza o Estado não apenas pela sua atuação violenta contra a mulher, mas também pela sua omissão e sua ineficácia em erradicar a violência cometida por particulares, seja na esfera pública, seja na esfera privada.
Alguns estudos apontam para a dimensão do problema da violência contra a mulher. Segundo pesquisa feita pela Human Rights Watch (Injustiça Criminal x Violência contra a Mulher no Brasil), de cada 100 mulheres assassinadas, 70 o são no âmbito de suas relações domésticas.
De acordo com pesquisa realizada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH (Primavera já Partiu), 66,3% dos acusados em homicídios contra mulheres são seus parceiros.
No Brasil, a impunidade acompanha intimamente essa violência. Estima-se que em 1990, no Estado do Rio de Janeiro, nenhum dos dois mil casos de agressão contra mulheres registrados em delegacias terminou na punição do acusado.
No Estado do Maranhão, relata-se, também para o ano de 1990, que dos quatro mil casos registrados apenas dois haviam resultado em punição do agente. De acordo com relatórios recentes das Nações Unidas, o problema ocorre não apenas em classes socialmente mais desfavorecidas e em países em desenvolvimento como o Brasil, mas em diferentes classes e culturas.
Como explicita um relatório produzido pelo Movimento Popular da Mulher – MPM e pelo Coletivo de Mulheres Negras – Nzinga, em parceria com o Pronto-Socorro do Hospital Municipal Odilon Behrens e Pronto Socorro João XXIII, em Minas Gerais, no mundo, "um em cada cinco dias de falta ao trabalho é decorrente de violência sofrida por mulheres em suas casas; a cada cinco anos a mulher perde um ano de vida saudável se ela sofre violência doméstica; o estupro e a violência doméstica são causas significativas de incapacidade e morte de mulheres em idade produtiva [...]. A violência doméstica compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina, cerca de US$ 170 bilhões. No Brasil, a violência doméstica custa ao país 10,5% do seu PIB.".


3. IV Conferência Mundial da Mulher – Beijin/China/ 1995
A maior e mais representativa Conferência da história da ONU apontou para alguns avanços em 12 áreas críticas para a superação das desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres. Nessa Conferência, os países participantes afirmaram e aceitaram que os direitos das mulheres são direitos humanos, apontando, ainda, para um importante salto no sentido da formulação do conceito referente aos direitos sexuais como parte dos princípios dos direitos humanos o que ainda não havia sido alcançado com as conferências anteriores (Viena e Cairo). A Plataforma de Ação elaborada em Beijin definiu: “os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle e decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva livre de coação, discriminação e violência”.

Referências bibliográficas
1. BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
2. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
3. VENTURA, Miriam. Direitos reprodutivos no Brasil. São Paulo: Fundo de População e Desenvolvimento das Nações Unidas, 2004.
4. WUCHER, Gabi. Minorias: proteção internacional em prol da democracia. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000.

Links interessantes

Sobre o relatório da sociedade civil (CEDAW – 2005):

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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