30 de dez. de 2010

Aula 13 - Novos direitos, novos desafios - II

1. Direitos das Mulheres
Em face do processo de internacionalização dos direitos humanos, foi o documento da Declaração e Programa de Ação (Viena-1993) que, de forma explícita, afirmou, em seu parágrafo 18, que os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Esta concepção foi reafirmada pela Plataforma de Ação de Pequim, de 1995. O legado de Viena é duplo: endossa a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos invocada pela Declaração Universal de 1948 e também confere visibilidade aos direitos humanos das mulheres e das meninas, em expressa alusão ao processo de especificação do sujeito de direito e à justiça enquanto reconhecimento de identidades.
O balanço das últimas três décadas nos mostra que o movimento internacional de proteção dos direitos humanos das mulheres centrou seu foco em três questões centrais:

a. A discriminação contra a mulher - a experiência brasileira reflete tanto a vertente repressivo-punitiva (pautada pela proibição da discriminação contra a mulher), como a vertente promocional (pautada pela promoção da igualdade, mediante políticas compensatórias).
A igualdade entre homens e mulheres em geral (artigo 5º, I) e especificamente no âmbito da família (artigo 226, parágrafo 5º); a proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil (artigo 7o, XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho) ;a proteção especial da mulher do mercado de trabalho, mediante incentivos específicos (artigo 7º, XX,

b. A violência contra a mulher - embora a Constituição de 1988 seja a primeira a explicitar a temática, merecendo destaque também a lei que caracteriza a violência do assédio sexual (a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001), não há ainda legislação específica a tratar, por exemplo, da violência doméstica.
O dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares (artigo 226, parágrafo 8º).

c.Os direitos sexuais e reprodutivos - a Carta de 1988 reconhece o planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer coerção. Resta, todavia, a necessidade de assegurar amplos programas de saúde reprodutiva, reavaliando a legislação punitiva referente ao aborto, de modo a convertê-lo efetivamente em problema de saúde pública.
O Artigo 226, parágrafo 7º, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito.

No âmbito da estrutura governamental, compete à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – SEPM/PR – criada pela Lei 10.683, de 28/05/2003 – dentre outras atribuições: assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas para as mulheres, com vistas à promoção da igualdade entre homens e mulheres através da cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados voltados para a implementação de políticas para as mulheres.
Além desses avanços, merece ainda destaque a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.
Há que se observar que os avanços obtidos no plano internacional têm sido capazes de impulsionar transformações internas na construção dos direitos humanos das mulheres no contexto brasileiro e têm possibilitado ao movimento de mulheres brasileiras exigir a implementação de avanços obtidos na esfera internacional.
Nesse sentido, cabe destaque o impacto de documentos como a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, de 1979, a Declaração e Programa de Ação de Viena - 1993, a Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994 e a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, de 1995.


2. Direitos dos Afro-descendentes
Embora não exista no sentido biológico a categoria ‘raça’, o termo ‘raça’ é utilizado de modo pleno no mundo social e funciona como instrumento ideológico e político de classificação, identificação e determinação do lugar que as pessoas negras e não-negras ocupam em sociedade. Como já observamos, o paradigma (modelo, padrão) que, em geral orienta o pensamento político, jurídico e social no Brasil e em boa parte do mundo ocidental, é o do homem, branco, adulto, ocidental, heterossexual e dono de um patrimônio.
Na contramão desse paradigma, ao tratar do tema da igualdade, a Constituição Brasileira acolhe duas vertentes do combate à discriminação e o da promoção da igualdade. Constata-se que a regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de maio de 1999, que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho); Lei Afonso Arinos de 1951 (Lei 1390/51) foi a primeira a caracterizar o racismo como contravenção penal (crime de menor potencial ofensivo). Portanto, somente com a Constituição de 1988, 100 anos após a abolição da escravatura, o racismo foi elevado a crime, inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos do art.5º, XLII.
A fim de conferir cumprimento ao dispositivo constitucional, surgiu a Lei n. 7.716 de 5 de janeiro de 1989 (Lei Caó), que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.
Essa lei veio a ser alterada posteriormente em 1997 (Lei 9.459/97 ), para também contemplar a injúria baseada em discriminação racial (ex: as humilhações, os xingamentos etc).
Contudo, em relação à discriminação racial, o aparato repressivo-punitivo tem se mostrado insuficiente para enfrentar tal forma de discriminação. De um lado, faz-se necessário fomentar a capacitação jurídica para que os diversos atores possam, com maior eficácia responder à gravidade do racismo. No mesmo sentido, cabe aprimorar e fortalecer o aparato repressivo, tornando o racismo, a xenofobia e outras formas de intolerância, agravantes de crimes. Como sugere o documento brasileiro à Conferência de Durban.
É necessário ir além da punição e investir também na promoção. Isto é, o combate à discriminação torna-se insuficiente se não se verificam medidas voltadas à promoção da igualdade. Por sua vez, a promoção da igualdade, por si só, mostra-se insuficiente se não se verificam políticas de combate à discriminação.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII, estabelece que a "lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais", acrescentando que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei."
Em um país em que os afro-descendentes são 64% dos pobres e 69% dos indigentes (dados do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada), em que o índice de desenvolvimento humano geral (IDH, 2000) coloca o País em 74o lugar, mas que, sob o recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afro-descendente indica a 108a posição (enquanto o IDH relativo à população branca indica a 43a posição), faz-se necessária a adoção de ações afirmativas em benefício da população negra, em especial nas áreas da educação e do trabalho.
No caso brasileiro, citamos o Programa Nacional de Direitos Humanos, que faz expressa alusão às políticas compensatórias, prevendo como meta o desenvolvimento de ações afirmativas em favor de grupos socialmente vulneráveis e o Programa de Ações Afirmativas na Administração Pública Federal; e a adoção de políticas de cotas em Universidades (a exemplo da Universidade do estado do Rio de Janeiro - UERJ, Universidade do estado da Bahia - UNEB, Universidade de Brasília - UnB etc).
As conquistas obtidas até aqui, no campo das relações raciais no Brasil, são frutos da atuação do movimento negro organizado que vem lutando pelo reconhecimento da população negra como sujeito de direito. Como exemplo recente da luta e resistência negra brasileiras, citamos a lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que dispõe sobre a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". A população negra (pretos e pardos) representa 45% da população total do Brasil. Fonte: IBGE.
No âmbito da Presidência da República, por meio da Lei 10.678, de 23/05/2003, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, à qual compete dentre outras atribuições, assessorar o Presidente da República direta e imediatamente na formulação, coordenação, articulação e avaliação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância.


3. Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência
Não se sabe ao certo qual é o número de pessoas portadoras de deficiência no Brasil. Todavia, podemos afirmar que se trata de expressivo número de brasileiros(as), que vêm sendo apartados(as) da vida social e que, apenas recentemente, receberam proteção constitucional.
A história constitucional brasileira revela que, dispositivos específicos acerca dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, somente puderam ser observados a partir de 1978, com a edição da Emenda Constitucional 12/78, que representou um marco na defesa deste grupo. Seu conteúdo compreendia os principais direitos das pessoas portadoras de deficiência (educação, assistência e reabilitação, proibição de discriminação e acessibilidade).
A Carta Brasileira de 1988 manteve os direitos que já eram previstos na Emenda Constitucional 12/78, conferindo-lhes maior detalhamento e especificidade, bem como fixando as atribuições executivo-legislativas de cada estado. Ressalte-se, ainda, que a Constituição sofreu a influência e o impacto de um movimento crescente de tutela da pessoa portadora de deficiência no âmbito internacional.
Ao revelar um perfil eminentemente social, a Carta Brasileira de 1988 impõe ao poder público o dever de executar políticas que minimizem as desigualdades sociais, e, é neste contexto que se inserem os sete artigos constitucionais relativos às pessoas portadoras de deficiência (10 Art. 7º, XXXI; Art. 23, II; Art. 24, XIV; Art. 37, VIII; Art. 203, IV e V; Art. 227, Parágrafo 1º, II e Parágrafo 2º e Art. 224).
Todavia, passados mais de quinze anos de vigência desta Carta, a violação de direitos subsiste e a concretização dos dispositivos constitucionais ainda constitui meta a ser alcançada.
Na esfera do governo federal, foi criado no âmbito do Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE, órgão superior de deliberação colegiada. Em maio de 2003, o CONADE passou a ser vinculado à Presidência da República, por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e tem como principal competência, acompanhar e avaliar o desenvolvimento da Política Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana dirigidas a este grupo social. Para implementar a Política Nacional e orientar sua atuação, tanto do ponto de vista normativo quanto regulador, foi criada a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
A exemplo do que ocorre com a legislação, os inúmeros programas e políticas públicas existentes são elaborados sem a consulta e participação da sociedade civil (ou com participação fictícia) e não são implementados. Na opinião de entidades representativas dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, a falta de implementação deve-se ao abismo entre as propostas de governo e sua execução, quer seja por motivos políticos, quer seja pela ausência de capacitação e sensibilidade dos agentes estatais incumbidos de executá-las.

Referências bibliográficas
Constituição 1988: Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. Brasília; Ed. Atual. 1988. Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988, 336p.
GOMES, Verônica. Indivíduos “fora de lugar”: o caso dos docentes negros(as) nas relações de trabalho na Universidade de Brasília. Dissertação de Mestrado. Brasília, departamento de Sociologia,Universidade de Brasília, 2003.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2002.
DEJOURS, Christophe. A Banalização da Injustiça Social. 3ª ed. Rio de Janeiro. Editora FGV,2000.
FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. Vol 2, 3ª ed. São Paulo, Ática, 1978.
GUIMARÃES, A. S. A . Classes, Raças e Democracia. São Paulo, Ed.34,2002.
REDE Nacional Feminista de Saúde. Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Dossiê Assimetrias Raciais no Brasil. Rede Feminista de Saúde. Belo Horizonte: Rede Feminista de Saúde, 2003.
ROCHA, M. I..B (org).Trabalho e Gênero: mudanças, permanências e desafios. Campinas: ABEP, NEPO/UNICAMP e CEDEPLAR/UFMG/São Paulo:Ed. 34, 2000.
Relatório de Desenvolvimento Humano – racismo, pobreza e violência. São Paulo, Ed. PrimaPagina, PNUD, 2005.

Links interessantes

Direitos da mulheres:

Direitos dos Afro-descendentes:

Lei dos crimes de preconceito (Lei 7716):

Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência

Estatuto das Pessoas com Deficiência

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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