3 de jan. de 2011

Aula 14 - Novos direitos, novos desafios - III

1. Direitos das Crianças e dos Adolescentes
Em nosso país, crianças e adolescentes são vistos como seres inferiores, menores, em direitos e dignidade. A própria etimologia de infância aponta ao “infant”, que é o sem voz e sem fala. Frise-se que, ao longo de décadas, as crianças não detinham qualquer autonomia. Eram integradas ao mundo dos adultos e conduzidas por rígida disciplina.
No Brasil, vigorava, até a última década, a doutrina do “menor em situação irregular” (inspiradora do Código de Menores), o que traz a marca da herança cultural correcional, que só vê a criança em situação de irregularidade e não como uma pessoa dotada de dignidade.
Foi somente com a Constituição Brasileira de 1988, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) e com a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (ratificada pelo Brasil em 24.09.90), que se introduziu, na cultura jurídica brasileira, um novo paradigma inspirado pela concepção da criança e do adolescente como verdadeiros sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento, a quem é garantido o direito à proteção especial. No entanto, apesar da clareza das leis, tratados, convenções nacionais e internacionais em atribuir direitos às crianças e aos adolescentes, testemunhamos um quadro de graves violações aos direitos humanos das crianças e adolescentes, dentre estes: a violência, o abuso e a exploração sexual; o trabalho infantil e o tratamento do adolescente em conflito com a lei.
Esse novo paradigma fomenta a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente. Consagra, deste modo, uma lógica própria voltada a assegurar a prevalência e a primazia do interesse superior da criança e do adolescente. Como afirma o texto constitucional criança é prioridade absoluta.
No Brasil, as crianças e os adolescentes representam 61 milhões (35,9% da população local). Deste universo, 45% do total de crianças e adolescentes são pobres, sendo que 71% das crianças indígenas o são e 58% das crianças negras também. Adicione-se que 74% das crianças e adolescentes da área rural são pobres – o dobro da percentagem encontrada nas áreas urbanas.
É de suma importância identificar as mais graves violações e “desnaturalizar” as desigualdades, bem como o padrão de violência estrutural, sistemática e persistente que afeta de maneira diferente crianças e adolescentes, dependendo de sua raça, etnia, gênero, região, dentre outros critérios.
Como exemplo de um amplo esforço de articulação e integração entre governo e sociedade civil organizada, o atual Presidente da República assumiu o compromisso de garantir, na sua gestão, prioridade às políticas voltadas para promover os direitos de cidadania às crianças e aos adolescentes brasileiros. Em resposta a este compromisso, a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança apresentou o Plano Presidente Amigo da Criança e do Adolescente, A responsabilidade pela implementação do Plano Presidente Amigo da Criança será de uma Comissão Interministerial, coordenada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH.
Um outro exemplo é o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, lançado em junho de 2004, elaborado pela Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Infantil – Conaeti – no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, a partir das diretrizes propostas pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI (Espaço de articulação política e de mobilização de atores envolvidos e comprometidos com o enfrentamento ao trabalho infantil no Brasil).
Lançado na Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, de dezembro de 2003, o Plano prima pelo respeito à legislação brasileira expressa na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o qual foi. O Plano observa os acordos internacionais relativos à criança e ao adolescente ratificados pelo Brasil na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989 e, particularmente, na Seção Especial pela Criança realizada pela ONU em 2002, que estabeleceu no documento “Um Mundo para as Crianças” os compromissos de: promover vidas saudáveis; prover educação de qualidade, proteger contra abuso, proteção e violência e combater HIV/AIDS.
A Rede de Monitoramento Amiga da Criança acompanha a implementação dos compromissos de gestão do Plano Presidente Amigo da Criança, analisando os avanços das metas nas áreas de educação, saúde e proteção, e propondo recomendações.
A Comissão é composta por representantes do: Ministério da Assistência Social; Ministério das Cidades; Ministério da Educação; Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome; Ministério da Integração Nacional; Ministério da Justiça; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Saúde; Ministério do Trabalho Emprego; Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

2. Direito à Livre Orientação Sexual
Dentre as muitas exclusões sociais geradas pelo paradigma do homem, branco, adulto, ocidental, heterossexual e dono de um patrimônio, uma das mais cruéis é a sofrida pelas pessoas com orientação sexual diferente da heterossexual. A crueldade aqui atinge a esfera da liberdade e identidade pessoal, da autonomia de escolha e de consciência, da vida íntima e da capacidade de amar e escolher e conviver dignamente com o ser amado.
Para se ter uma medida de quanto o preconceito é disseminado em nossa sociedade vale referir a uma pesquisa sobre crimes homofóbicos documentados em 25 países de todo o mundo, o Brasil situa-se no topo da lista, com uma média de 128 mortes anuais, seguido do México com 35 assassinatos e, em terceiro lugar, dos Estados Unidos, com 25 crimes de ódio homofóbico por ano.
A Constituição de 1988 deu largos passos na superação do tratamento discriminatório fundado no sexo, ao equiparar os direitos e obrigações de homens e mulheres.
Contudo, uma das questões mais debatidas na Assembléia Nacional Constituinte, com relação à sexualidade e igualdade, referiu-se às então chamadas “discriminações dos homossexuais”.
Infelizmente, a timidez da Constituinte demonstra o quanto a questão ainda é tabu em nossa sociedade, o que é reiterado pelo atravancamento no Congresso Nacional do Projeto de Lei que reconhece a união civil entre pessoas do mesmo sexo e pela inexistência de legislação federal que criminalize (tal como no caso do racismo) a discriminação com base na orientação sexual.
Apesar de tudo isso, a Constituição de 1988 traz direitos e garantias fundamentais, tais como o direito à liberdade e à igualdade em geral, à liberdade de consciência, à intimidade, à vida privada e, como base de todos, à dignidade da pessoa humana, cuja interpretação adequada só reafirma o direito à livre orientação sexual.
O enfrentamento da homofobia no País requer a educação sexual em todos os graus escolares, ensinando a todas as crianças, jovens e adultos que o homossexual é um ser humano, é digno de respeito e que a livre orientação sexual é um direito inalienável de cidadania. Faz-se também necessária a adoção de leis que punam exemplarmente os que discriminam, violentam e assassinam gays, travestis e lésbicas, capacitando a polícia e a justiça a investigar, julgar e punir com exemplar severidade os autores de crimes homofóbicos.
Iniciativas governamentais como o “Programa Brasil Sem Homofobia – Programa Brasileiro de Combate à Violência e à Discriminação contra Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais, e de Promoção da Cidadania Homossexual”, lançado em 25/05/2003, propõe a transversalidade do tema nas ações das esferas e níveis governamentais, sendo uma conquista histórica para o movimento homossexual.

3. Direito dos Idosos
A Política Nacional do Idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade e foi instituída pela Lei 8.842, de 4/01/1994. A Política apontou para as seguintes diretrizes:

a.viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações;

b.participação do idoso, por meio de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos;

c.priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento em asilos e similares, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência.

A Constituição de 1988 também reconhece a especificidade dos idosos como sujeitos de direito. Assim é que tal perspectiva foi explicitada e regulamentada com a recente promulgação do “Estatuto do Idoso”. O novo Estatuto é um marco jurídico para a proteção especial ao idoso, considerando sua peculiar vulnerabilidade, suas demandas e seus direitos especiais.
Considere, nesse ponto, o aumento considerável da população idosa no Brasil e no mundo, em face da elevação da expectativa de vida e da redução da taxa de fecundidade. O fenômeno do aumento da expectativa de vida, por si só, demandará a revisão dos conceitos de infância, juventude e velhice.
O Estatuto tem o grande mérito de dar visibilidade ao idoso enquanto pleno sujeito de direito, a demandar especial proteção. É, assim, previsto um universo de direitos às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, que vem a regulamentar o comando constitucional do artigo 230. Neste âmbito, dois princípios merecem destaque: o princípio da proteção integral e o princípio da absoluta prioridade ao idoso.
Quanto ao princípio da proteção integral, o Estatuto consagra aos idosos tanto os direitos civis e políticos, como os direitos sociais, econômicos e culturais, no marco da proteção integral dos direitos, a fim de que todo idoso possa viver em condições de liberdade e dignidade. Deste modo, é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Quanto ao princípio da prioridade, o Estatuto afirma que a garantia de prioridade compreende, por exemplo, o atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; a preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; dentre outras medidas.
O Art. 230 estabelece que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
O Estatuto ainda estabelece que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência (falta de cuidado), discriminação, violência, crueldade ou opressão, prescrevendo crimes e prevendo penas aos atos que violem os direitos dos idosos.
Para combater a violência e garantir os direitos dos idosos, o Governo federal, em consonância com o Estatuto do Idoso, está avaliando a implantação e implementação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra o Idoso. O documento traz ações conjuntas da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa e Ministérios da Saúde, Justiça, Cidades, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Esporte e Lazer.


Referências bibliográficas
Constituição 1988: Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. Brasília; Ed. Atual. 1988. Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988, 336p.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2002.
DEJOURS, Christophe. A Banalização da Injustiça Social. 3ª ed. Rio de Janeiro. Editora FGV,2000.
Relatório de Desenvolvimento Humano – racismo, pobreza e violência. São Paulo, Ed. PrimaPagina, PNUD, 2005.
Estatuto da Criança e do Adolescente
Estatuto do Idoso.


 
Links Interessantes

Direitos das Crianças e Adolescentes

Estatuto da Criança e do Adolescente

Presidente Amigo da Criança

Direito à Livre Orientação Sexual

Direitos dos Idosos

Estatuto do Idoso

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário