5 de jan. de 2011

Aula 1 - Participação e controle social na garantia dos direitos humanos

Hoje iniciamos o módulo II do Curso de capacitação, segue abaixo a 1ª Aula deste módulo, num total de quinze.

Em nossa história política a participação e o controle social1 têm adquirido significados distintos na luta pela concretização dos direitos. São conceitos que possuem uma interdependência, são conteúdos políticos relacionados e que produzem um sentido se caminham juntos. Mas por uma questão meramente didática, em alguns momentos eles serão tratados separadamente para melhor explicitar seus conteúdos.
Controle Social
Temos pelo menos dois exemplos de significado de controle social. O primeiro, exercido pelo Estado sobre indivíduos e grupos, predominou até boa parte do século XX. O segundo, refere-se à participação social na elaboração e fiscalização de políticas públicas. “Controle Social” foi, portanto, ao longo da história ocidental, compreendido como o controle do Estado sobre a população, um significado muito diferente do que é utilizado atualmente. Nos dias atuais, o termo controle social refere-se à forma de participação da população na formulação, deliberação e fiscalização das políticas públicas. Conferências e Conselhos, por exemplo, são formas de participação social e mecanismos conquistados para exercer o controle social.
Para uma melhor compreensão e aprofundamento dos significados de controle social e participação, sugerimos a leitura do artigo Participação e controle social, Rodriane de Oliveira SOUZA, utilizado para esta apresentação. In SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurílio Castro e LEAL, Maria Cristina (org.). Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004, p. 167-187.

Participação
Participação pode ser compreendida como um processo no qual homens e mulheres se descobrem como sujeitos políticos, ou seja, está diretamente relacionada à consciência dos cidadãos e cidadãs, ao exercício de cidadania, às possibilidades de contribuir com processos de mudanças e conquistas. O resultado do usufruto do direito à participação deve, portanto, estar relacionado ao poder conquistado, à consciência adquirida, ao lugar onde se exerce e ao poder atribuído a esta participação.
“A participação é requisito de realização do próprio ser humano e para seu desenvolvimento social requer participação nas definições e decisões da vida social.” (Souza. 1991:83). A participação sempre esteve comprometida com aquilo que Marx e Engels apontam como pressupostos da existência humana: “o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens e mulheres devem estar em condições de viver para poder fazer história. E para viver é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais”.
Vamos fazer uma rápida viagem pela realidade sócio-política brasileira no último século e verificar três formas básicas de compreender a participação que se fizeram presentes:
A participação comunitária - surge no início do século XX, compondo a ideologia e a prática dos centros comunitários norte-americanos. Neste contexto, “comunidade” significa um “agrupamento de pessoas que coabitam num mesmo meio ambiente, ou seja, compartilham o que se deveria chamar de condições ecológicas de existência, independente dos fatores estruturais ou conjunturais que lhes dão origem” (Carvalho, 1995:16). No Brasil desenvolvimentista dos anos 50, as contradições geradas pelo crescimento econômico tornam-se cada vez mais evidentes: aumento da inflação, arrocho salarial, movimentos reivindicatórios da classe operária por melhores condições de vida e trabalho, entre outros. Por outro lado, o processo de industrialização neste período, exigia uma nova estrutura do mercado de trabalho, uma política de modernização, com ênfase na formação técnica e profissional competente e na especialização da mão-de-obra. Nesse cenário, a participação consistia em envolver as comunidades na realização de atividades em que o trabalho da população teria uma direção desejável para o sistema, quer dizer, deixava intocada a estrutura de classes e as relações de produção e de dominação.
No período das décadas de 1950/1960 a participação comunitária era entendida como a sociedade completando o Estado. O Estado passou, então, a incentivar a colaboração da sociedade na execução das políticas sociais por meio do voluntariado e do apelo à solidariedade dos cidadãos.
Este processo tem semelhanças ao que acontece nos dias atuais, conseqüência da política neo-liberal de “Estado Mínimo”.
A participação popular - significa o aprofundamento da crítica e a radicalização das práticas políticas opositoras ao sistema dominante. Surge ao final da década de 1960 e se firma na década de 1970, com a entrada dos novos movimentos sociais, fundamentais para o processo de redemocratização da sociedade e Estado brasileiros. No período da ditadura militar a participação popular caracterizou-se como estratégia da oposição e expressou a reação da população no regime ditatorial existente naquele momento.
Este período recente da história política brasileira, entre 1964 e 1984, como disse Chico Buarque, foi “uma página infeliz de nossa história” (Música “Vai Passar” – Autor: Chico Buarque de Holanda). Denominado de “os anos do terror”, o golpe militar inaugurou, em 31 de março de 1964, o período da Ditadura Militar, também conhecido como os anos de chumbo: colocou, por um lado, as lutas políticas na clandestinidade, e por outro, aprofundou a política da arbitrariedade, usurpou as liberdades, prendeu, torturou e matou centenas de militantes que se dedicavam à causa da defesa e promoção dos direitos sociais, políticos e econômicos. Foi o período dos atos de exceção, quando o controle era exclusivo do Estado sobre a sociedade. Os direitos políticos foram suspensos. Em contrapartida, é deste período o surgimento de novos movimentos sociais na luta por melhores condições de vida. Aqui, a categoria “comunidade” é substituída pela categoria “povo” que significa, de acordo com Carvalho (1995:21), um determinado segmento da população excluído, marginalizado ou subalternizado no seu acesso aos bens e serviços essenciais.
Trata-se de uma população excluída social, econômica e politicamente das decisões do Estado.
Apesar do terror do Estado e da ausência de democracia, os movimentos sociais resistiram e continuaram a luta por liberdade e por democracia.
Vários movimentos e organizações surgiram na década de 1970, em atos de resistência ao terror do Estado, em defesa da redemocratização do País e de melhores condições de vida, como:
  • o movimento contra a alta do custo de vida, liderado especialmente pelas mulheres nas periferias, com o apoio das organizações eclesiais de base;
  • o movimento pela anistia dos presos e exilados políticos, a Comissão de Justiça e Paz da arquidiocese de São Paulo;
  • no final da década de 1970, o movimento dos trabalhadores por melhores salários e contra o desemprego, culminou com as grandes mobilizações do movimento sindical no ABC (região em volta da cidade de São Paulo formada pelas cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano) o surgimento de lideranças dos trabalhadores.
A saturação da política repressiva do Estado e da ditadura militar, por um lado, e a mobilização contra a ditadura e por liberdade política, de outro, provocou o chamado processo de abertura, que teve nas mobilizações pelas eleições diretas para presidente da república o seu marco político.
A ditadura militar havia instituído o processo de eleição indireta, por meio de um colégio eleitoral onde apenas os deputados e senadores podiam votar no candidato a presidente da república. A campanha por eleições diretas, conhecida como campanha pelas “Diretas Já” foi responsável pela mobilização de milhões de pessoas que foram para as ruas e praças manifestarem-se a favor da eleição direta para presidente da república. A campanha foi derrotada na votação histórica que manteve o colégio eleitoral, mas foi vitoriosa à medida que Tancredo Neves, em 1985, foi o último presidente eleito de forma indireta.
O povo foi às ruas e resgatou seu direito a votar para presidente e representantes em todos os níveis.
A participação social - é a nova modalidade de participação instituída na década de 1980, cuja categoria central não é mais “comunidade”, nem “povo”, mas a “sociedade”. A participação da sociedade organizada deu-se em todos os níveis de pressão por liberdade e democracia. Nas manifestações de rua, na organização de agrupamentos sociais, nas eleições, na organização dos trabalhadores urbanos e rurais, na organização e luta das mulheres contra a discriminação e pela conquista de direitos, dos negros, dos estudantes, enfim, do empresariado, dos políticos, nas mais variadas formas de manifestações. O processo de abertura abriu espaço para uma diversidade de interesses e de projetos colocados na arena social e política.
Teve sua sustentação na grande mobilização pelas “Diretas Já” e na mobilização social dos diversos segmentos da sociedade civil organizada por inclusão, ampliação e universalização dos direitos no processo Constituinte.
A década de 1980 foi, portanto, marcada por grandes mobilizações e profundas modificações na democratização do País.
Isto gerou conquistas e uma delas foi a criação, em 1983, do primeiro conselho da condição feminina, no âmbito estadual, em São Paulo que estimulou a criação de órgãos similares em todo o País, inclusive no âmbito nacional. Estes conselhos foram espaços de conquista de cidadania, de participação e de controle social. No entanto, tinham caráter apenas consultivo e, em alguns casos, de assessoria às políticas públicas para enfrentamento da discriminação praticada contra as mulheres.
O poder centralizado desde 1930, deu lugar ao processo de participação, descentralização e redesenho do Pacto Federativo aprovados na Constituição Federal de 1988, que passa a garantir unidade nacional e unidades subnacionais, com repasse de recursos e autonomia decisória para estados e municípios, dando novo significado ao controle social e a participação da sociedade civil nas decisões políticas.
Com a nova Constituição, os mecanismos de participação e de representação institucionalizam-se e os órgãos com esta finalidade passam a ser não mais espaços de consulta, mas normativos, definidores de parâmetros e deliberadores de políticas.
É o que veremos em nossa próxima aula, que abordará o tema: “A constituição de 1988, a democracia participativa e o surgimento dos conselhos”. Até lá.

Referências bibliográficas
SOUZA, Rodriane de Oliveira. Participação e controle social. In SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurílio Castro e LEAL, Maria Cristina (org.). Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004, p. 167-187.
SOUZA, Maria Luiza. Desenvolvimento de comunidade e participação. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1991.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1996.
Sugestão de leitura:
SOUZA, Rodriane de Oliveira. Participação e controle social. In SALES, Mione Apolinário;
MATOS, Maurílio Castro e LEAL, Maria Cristina (org.). Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004, p. 167-187.

Autoria: Maria de Lourdes Alves Rodrigues
Colaboração: Célia Maria Escanfella
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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