11 de jan. de 2011

Aula 5 - Caracterização dos conselhos em nível nacional, estadual e municipal.

Os conselhos são novos arranjos institucionais definidos na legislação ordinária para concretizar a participação e controle social preconizados na Constituição Federal de 88. São organismos que articulam participação, deliberação e controle do Estado. Suas características e atribuições são definidas na legislação ordinária.
Os conselhos de direitos, também denominados conselhos de políticas públicas ou conselhos gestores de políticas setoriais, são órgãos colegiados, permanentes e deliberativos, incumbidos de modo geral, da formulação, supervisão e avaliação das políticas públicas, em âmbito federal, estadual e municipal” (definição extraída do artigo “Conselhos de Direitos e Formulação de Políticas Públicas”, de Patrícia Helena Massa Arzabe, Doutoranda na Faculdade de Direito da USP e Procuradora do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/patriciamassa.htm).
O caráter deliberativo está assegurado no princípio da participação popular na gestão pública, consagrado na Constituição de 88, e são instituições cujo sentido é a partilha do poder decisório e a garantia de controle social das ações e políticas com fins da garantia de direitos conquistados. Portanto, conselhos são espaços deliberativos e de controle social da coisa pública. No entanto, nem todas as legislações ordinárias consideraram este aspecto ao definirem a criação e competências dos conselhos dos direitos.
Conselhos são instâncias permanentes, sistemáticas, institucionais, formais e criadas por lei com competências claras. Além disso, devem ser órgãos colegiados, paritários e deliberativos, com autonomia decisória. Alguns exemplos de legislação ordinária que dispõe sobre conselhos de políticas, de segmentos e temáticos como a Lei Federal 8069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 88, inciso II, torna obrigatória a existência de conselhos dos direitos da criança e do adolescente em todos os níveis da Federação, destacando-se o caráter deliberativo e controlador das ações, assegurada a participação paritária.

Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
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Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
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II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
A Lei Federal 8842 de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e define a criação, caracterização e competências dos conselhos nacional, estaduais, distrital e municipais dos direitos do idoso, afirmando seu caráter permanente, paritário e deliberativo:
Lei 8.842 de 4 de janeiro de 1994, dispõe sobre a Política Nacional do Idoso
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Art. 6º Os conselhos nacional, estaduais, do Distrito Federal e municipais do idoso serão órgãos permanentes, paritários e deliberativos, compostos por igual número de representantes dos órgãos e entidades públicas e de organizações representativas da sociedade civil ligadas à área.


Art. 7º Compete aos conselhos de que trata o artigo anterior a formulação, coordenação, supervisão e avaliação da política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias políticoadministrativas.
Apesar da Lei que estabelece a criação dos Conselhos do Idoso ser de 1994, e determinar o seu caráter deliberativo, apenas 8 anos depois, em 13 de maio de 2002, foi criado por Decreto Presidencial o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI. E seu caráter foi reduzido a órgão consultivo:
Decreto nº 4.227, de 13 de maio de 2002.


Cria o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso - CNDI, e dá outras providências.


Art. 1o Este Decreto dispõe sobre a criação, competência e composição do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso - CNDI.


Art. 2o Fica criado, na estrutura básica do Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso - CNDI, órgão de caráter consultivo.
É inegável o significativo avanço na criação destas instituições democráticas que ampliam a democracia e asseguram a participação e o controle social. No entanto, em se tratando de novas institucionalidades democráticas, ainda são muitos os desafios para a compreensão e efetivação destes espaços enquanto instâncias deliberativas. Ainda são muitos os conselhos de gestão de políticas e defesa dos direitos que mantém o caráter apenas consultivo ou de assessoramento do executivo, fragilizando desta forma o poder decisório da participação da sociedade na relação com o Estado.
Os conselhos de direitos, independentemente do nível de atuação – nacional, estadual ou municipal -, são espaços nos quais o governo e a sociedade devem discutir, formular e decidir, de forma compartilhada e co-responsável, as diretrizes para as políticas públicas de promoção e defesa dos direitos. Conselhos não são, portanto, executores de políticas, são formuladores, promotores de políticas, defensores de direitos, controladores das ações públicas governamentais e não-governamentais, normatizadores de parâmetros e definidores de diretrizes das políticas na perspectiva da garantia dos direitos humanos, sociais e políticos.
Em seu artigo sobre Democracia participativa Reflexões sobre a natureza e a atuação dos conselhos representativos da sociedade civil, Borges explicita que os “Conselhos são órgãos colegiados, que têm, em nosso direito, regras próprias e bem definidas de funcionamento e estrutura”. E destaca que “o funcionamento de um órgão colegiado obedece, em nosso ordenamento jurídico, a coordenadas próprias, muito especiais”. Por exemplo:
  • titularidade de seus membros, igual para todos;
  • decisões tomadas pela deliberação conjunta de um grupo de pessoas, mediante votação, por unanimidade ou por maioria de votos. Tais decisões passam a constituir, após a discussão e votação, a expressão da vontade do órgão, como um todo ;
  • oralidade das votações, reduzidas a termo em ata ou resolução;
  • caráter terminativo da votação, após a proclamação de sua apuração;
  • responsabilidade do órgão una, como um todo, após a deliberação do grupo;
  • representação legal por um presidente, que não vota, senão em casos de desempate, e que vai expressar, em resolução, a vontade do colegiado;
  • estabelecimento prévio, em regimento, de normas sobre quorum de votação: para a realização da sessão; para haver deliberação; para a adoção de certas decisões relevantes.
Observa a autora que “o voto do membro do órgão colegiado tem o mesmo valor que qualquer outro, porque nosso direito não acolhe, em regra, votos privilegiados: mas é apenas um voto”, que deverá ser amplamente fundamentado, alicerçado em razões objetivas. Este quadro, segundo a autora, é válido para qualquer conselho ou outro órgão colegiado.
Os conselhos de direitos, nos três níveis de ação, possuem características comuns diferenciando-se apenas por algumas particularidades. Mas é fundamental que todos observem os princípios da participação e descentralização, estabelecidos na “Constituição cidadã” de 1988, cujos dispositivos prevêem a participação da sociedade na gestão e fiscalização da “coisa pública”.
Características comuns dos Conselhos dos Direitos e Gestores de Políticas.
  • Devem ter poder deliberativo. O fato de serem reconhecidos e de haver legislação que lhes dá poder não basta para que os conselhos sejam realmente deliberativos. Para ser reconhecido e valorizado, o conselho precisa ter legitimidade tanto na definição de sua composição como na capacidade de interlocução entre seus integrantes. Isso, porém, pode ser um processo longo, que envolve capacitação técnica e política, pois os membros do conselho devem ser capazes de apresentar propostas e de estabelecer alianças, informando e mobilizando os setores sociais que representam.
  • Devem levar em consideração as reivindicações dos diversos grupos sociais e atuar na implementação e controle dessas políticas.
  • Devem ser criados por iniciativa do executivo ou, em caso de omissão deste, por uma ação civil pública. A via judicial deve ser uma alternativa para casos extremos. A negociação política é sempre desejável para que o conselho a ser criado nasça baseado na cooperação e não no dissenso.
  • Devem ser representativos de legítimas instituições atuantes nos segmentos ligados à área de atuação do conselho.
  • Devem ser compostos de forma paritária por representantes do governo e da sociedade. O estabelecimento da paridade vai depender da área temática, dos representantes e também da história, democrática e participativa ou não, que levou à construção do conselho.
  • Devem dispor de fundos para financiar políticas específicas. Os recursos para o funcionamento dos conselhos devem ser assegurados no orçamento federal, do estado ou do município.
Características que variam segundo particularidades dos conselhos
  • Número de participantes. Quanto ao número de membros dos conselhos, não há um limite estabelecido. É recomendável que não seja excessivamente grande para se evitar a dispersão e problemas na operacionalização e funcionamento do conselho.
  • Regimento interno. Cada conselho institui o seu próprio regimento interno, com as normas de conduta e procedimentos estabelecidos para o desempenho de suas funções. O regimento interno, como todo ato administrativo, não pode exceder os limites da lei, devendo contemplar os mecanismos que garantem o pleno funcionamento do conselho. Sua publicação deve observar a regra adotada para a publicação dos demais atos normativos do Executivo.
  • Infra-estrutura de funcionamento. Será de acordo com as possibilidades e com o grau de importância dado pelas instituições participantes de cada conselho.
Os conselhos nacionais
Os conselhos nacionais devem estar vinculados administrativamente aos Ministérios respectivos ao seu interesse temático e de direitos. Deliberam sobre questões no âmbito da política nacional e suas decisões devem ser parâmetros tanto para os órgãos nacionais, quanto para estados e municípios.
No módulo III deste curso trataremos especificamente das informações básica dos seguintes conselhos:
  • Conselho Nacional dos Direitos do Idoso - CNDI
  • Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM
  • Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE
  • Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR
  • Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD
  • Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA
  • Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH
  
Os conselhos estaduais
A maioria dos conselhos estaduais de direitos existentes no País foi criada nos anos noventa, tendo como característica principal a participação expressiva da sociedade civil e a independência perante o Poder Executivo de seus respectivos estados. A criação desses conselhos inspirou-se nos princípios da participação e descentralização, estabelecidos na Constituição cidadã de 1988, em cujos dispositivos estão previstos a participação da cidadania (representação da sociedade) na gestão e fiscalização da “coisa pública”.
Criados por lei estadual, estão vinculados administrativamente às Secretarias de Estado das respectivas áreas temáticas ou de direitos e não devem estar sujeitos a nenhuma subordinação hierárquica. Deliberam sobre questões no âmbito na política estadual e suas decisões devem ser parâmetros tanto para os órgãos estaduais, quanto para os municípios.
Os Conselhos Municipais
A criação de um conselho municipal de direitos é uma medida voltada para garantir uma esfera pública com representantes da comunidade local e dos órgãos governamentais, para monitorar o impacto das políticas públicas na proteção e efetivação dos direitos da pessoa humana, e, também, para investigar as violações de direitos no território municipal.
O conselho deve ser criado por lei municipal e, para o exercício de suas atribuições, não pode ficar sujeito a qualquer subordinação hierárquica. Deliberam sobre questões no âmbito da política municipal e suas decisões devem ser parâmetros para os órgãos municipais e para a execução das ações públicas governamentais e não-governamentais.
A composição dos conselhos
Deve seguir o princípio da paridade e a indicação de seus membros deve refletir o dispositivo constitucional da participação indireta da população, por meio de segmentos e de organizações representativas ligadas à área de atuação de cada conselho. Assim, cabe ao governo escolher os representantes do Executivo e a sociedade civil deve escolher seus representantes em fóruns representativos do respectivo segmento. A escolha dos representantes da sociedade civil normalmente se dá entre os organismos ou entidades sociais, ou dos movimentos comunitários, organizados como pessoas jurídicas, com atuação expressiva na defesa dos direitos e de políticas específicas.
O período do mandato dos conselheiros é normalmente de dois anos, podendo coincidir, ou não, com a vigência do mandado do governo. Estas e outras definições quanto às características e ao funcionamento estão definidas nas respectivas Leis de criação dos conselhos e em seus Regimentos Internos.
Referências bibliográficas
BORGES, Alice Maria Gonzalez. “Democracia participativa. Reflexões sobre a natureza e a atuação dos conselhos representativos da sociedade civil”. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 917, 6 jan. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7752.
ARZABE, Patrícia Helena Massa, “Conselhos de Direitos e Formulação de Políticas Públicas” - Doutoranda na Faculdade de Direito da USP e Procuradora do Estada de São Paulo. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/patriciamassa.htm.
LYRA, Rubens Pinto Lyra, “Formato e papel dos conselhos e ouvidorias nas áreas de segurança e de justiça”, trabalho a ser apresentado no 4º Encontro Nacional da ABCP - Associação Brasileira de Ciência Política, área Estado e Políticas Públicas, painel Relações Estado e sociedade na produção de políticas públicas, 21- 24 julho.
PEREIRA, Potyara Amazoneida P., “Controle democrático com garantias de direitos” – Brasília: Subsecretaria dos Direitos Humanos, Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2005. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/cndi/SEDH_controle_2005.pdf
Autoria: Maria de Lourdes Alves Rodrigues
Colaboração: Maria Letícia Puglisi Munhoz
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte. 

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