13 de jan. de 2011

Aula 7 - Princípios norteadores dos Conselhos

Os Conselhos dos Direitos são criados por determinação de legislação ordinária, com base em princípios e dispositivos constitucionais que, no desempenho de suas atividades, devem ser por eles respeitados, para que não perca a razão de suas existências.
Além disso, outros princípios também fundamentam as atividades dos conselhos, aqueles relacionados com as atividades da administração pública. Isto ocorre porque, conforme já foi mencionado, apesar dos conselhos não possuírem natureza jurídica estatal, da mesma forma, não são constituídos como associações não-governamentais, com ou sem fins lucrativos, posto que não surgem meramente da iniciativa de pessoas interessadas, mas por iniciativa do poder executivo; ademais, são considerados espaços públicos, com funções de deliberação, acompanhamento e controle de políticas voltadas para interesses públicos e de desenvolverem atividades que são custeadas em mais de cinqüenta por cento por patrimônio público.

Os Conselhos dos Direitos devem estar fundados nos seguintes princípios:

Descentralização: A descentralização passou a ser defendida e experimentada como forma de redução do poder centralizado do Estado e pré-requisito da boa participação. Dessa forma, pretende-se o combate à formação de oligarquias no trato da coisa pública ou da concentração do poder em poucas mãos; o surgimento de novas lideranças políticas identificadas com as demandas e necessidades populares; a transformação dos representados em co-responsáveis na produção de leis, nos processos de deliberação sobre temas e problemas comuns e na definição de políticas de intervenção social; o fortalecimento do regime democrático pelo constante controle público de decisões e atos dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário); a substituição da estrutura político-administrativa centralizada e vertical, cultivada por lideranças oligárquicas, por outra estrutura descentralizada e horizontal, na qual o poder possa fluir em dois principais sentidos: do Estado para a sociedade e da esfera federal para a estadual e municipal, interligando, assim, os processos de participação e descentralização. A descentralização só é possível se ocorrem modificações profundas das funções de gestão nas instituições, permitindo que as políticas e as decisões sejam formuladas via participação.
Em seu texto Código de Ética: reafirmar a função pública de conselheiros e conselheiras, Rosangela Dias O. da Paz destaca o papel exercido da Constituição de 1988 na alteração do modelo de Estado por meio de uma importante descentralização política, administrativa e financeira, que garantiu um novo papel aos municípios, além da instalação de novos instrumentos e mecanismos institucionais de participação e controle social, como os conselhos de gestão – instâncias institucionais, paritárias e deliberativas – nas diversas áreas da política social.
O CONANDA, em sua resolução 106, define como descentralização o “exercício de funções administrativas objetivando descongestionar a administração pública, compreendendo a repartição de encargos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a fim de aproximá-la do cidadão. Já a municipalização significa fortalecer os poderes locais, trazendo para a esfera do Município determinadas decisões políticas e a execução de programas e ações antes centralizados no âmbito federal”.

Participação: É o requisito para valer o preceito constitucional de soberania popular. “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A participação ocorre na medida em que se amplia a participação do cidadão, na atividade pública; está envolvido de maneira direta, por meio de suas ações, em todos os processos de tomada, implementação e avaliação de decisões. “A participação da população nos conselhos dar-se-á pela escolha dos organismos da sociedade civil e é exercida por meio do voto e do usufruto da representatividade. Para participar dos Conselhos de forma adequada é necessário buscar o aprendizado e o conhecimento da realidade, com efetiva postura técnica, ética e política para a tomada de decisões.”. Existem também outras formas de participação, horizontais e que trabalham na busca do consenso e da cooperação, como por exemplo, as redes sociais.

Princípio da paridade e da representatividade: Este princípio, especialmente, caracteriza a composição dos conselhos dos direitos, uma vez que, somente fortalece a sua existência e eficiência, o critério de sua formação ser por igual número de representantes do poder público e da sociedade civil e ser representado por pessoas com representatividade e legitimidade para defender as questões que representam. “Significa igualdade quantitativa. A representação governamental deve ser em número correspondente à representação das organizações da sociedade civil.”.

Comando único: Como entre os conselhos nacionais, estaduais, municipais, e mesmo entre instâncias intersetoriais, há atribuições similares, ou que exigem a atuação integrada de entidades diversas. É importante observar este princípio para que se evite o conflito de funções e atribuições e, por conseqüência, a ineficiência das suas atividades. Nas palavras de Potyara Amazoneida Pereira, esse princípio tem a finalidade de “garantir, em cada esfera de governo, a coerência e a racionalidade das ações realizadas, sem os tradicionais desperdícios de recursos, superposições de comandos e atividades, assim como desvios ou pulverizações de verbas entre áreas que pertencem a outras jurisdições administrativas e políticas."

Autonomia: Vale lembrar que os Conselhos de Direitos devem ter identidade própria e autonomia, uma vez que são órgãos colegiados de composição mista e paritária entre representantes do governo e da sociedade civil organizada, e detêm competência decisória para tudo que pretende realizar. Suas diretorias são eleitas e possuem poder de fiscalização, elementos estes necessários para exercer, com independência, a função de fiscalização do serviço público e de defensor dos direitos. “Significa a inexistência de subordinação hierárquica dos Conselhos aos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo para definir questões que lhe são afetas, tornando-se suas deliberações vontade expressa do Estado, o que significa dizer que os mesmos possuem autonomia política, vinculando-se ao poder público apenas no âmbito administrativo.”.

Legalidade: O princípio da legalidade é a referência essencial do Estado de Direito. Significa a submissão e o respeito à lei. Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa "pode fazer assim"; para o representante público significa "deve fazer assim". Como princípio de administração e das atividades dos conselhos, significa que estas devem estar sujeitas aos mandamentos da lei e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar. O CONANDA, por exemplo, em sua resolução 106, define como princípio de legalidade que “a lei de criação dos Conselhos dos Direitos só poderá instituir instâncias estatais, isto é, organizações estatais, significando que os Conselhos têm a prerrogativa legal deliberativa para exercê-la, dentro da sua área de competência, na formulação, deliberação e controle da política dos direitos humanos da criança e do adolescente.”.

Impessoalidade: O agente público, dentro das possibilidades discricionárias, deve atentar sempre concomitantemente às circunstâncias fáticas que envolvam o ato e os efeitos sociais de sua consecução do ato administrativo. Isto é, o princípio da impessoalidade estipula que os fins a serem alcançados pelo administrador público e pelo patrimônio que emprega não podem visar o benefício pessoal, ou diretamente dirigido para um certo grupo, senão quando tal signifique a consecução de objetivo genérico de interesse de todo o país.

Moralidade: Entende-se por um ato imbuído do princípio da Moralidade aquele que é leal e de a boa fé, pois ao contrário, ensejaria desvio de poder causando nulidade do ato. A moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do "bom administrador". Há que se observar, assim, as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto nos seus efeitos, referindo-se a critérios morais.

Publicidade: Instrumento democrático de participação popular e controle social da administração pública. O princípio da publicidade nasceu na Revolução Francesa. Até aquele momento, o Estado poderia resguardar para si o direito de dizer ou não sobre suas atividades, em um regime monarquista absolutista. Em um regime democrático, isto é impensável, uma vez que inviabiliza a participação popular. Deve-se prestar contas ao público sobre o patrimônio público. Assim, de acordo com este princípio, as atividades exercidas pelos conselhos devem ser previamente determinadas, descritas e publicadas, levadas ao conhecimento geral, como forma de controle social e fiscalização popular. Não é por outro motivo que a administração pública mantém um jornal diário, o Diário Oficial. Pelo mesmo motivo, a grande maioria das sessões do Judiciário são a portas abertas, acessíveis a todos. No caso dos conselhos, para que todas as suas normas e atos estabelecidos produzam efeitos e validade, devem ser de conhecimento público sob pena de se tornarem inválidos.

A inobservância, por parte dos Conselhos de Direitos, dos princípios que regem a administração pública, notadamente a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade (conforme art.4º, da Lei nº 8.429/92), comprometem a validade de suas deliberações e atos respectivos, que podem assim ser anulados a pedido de qualquer cidadão, via ação popular (na forma do previsto no citado art.5º, inciso LXXIII da Constituição Federal), Ministério Público ou outro legitimado, sem prejuízo da responsabilidade administrativa, civil e mesmo criminal de seus integrantes e outros envolvidos (conforme arts.1º, 2º, 3º e demais disposições da Lei nº 8.429/92).
Em nossas próximas aulas trataremos também dos princípios éticos dos conselheiros dos direitos. Até lá.

Referências bibliográficas
“Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente: transparência de seu funcionamento como condição indispensável à legitimidade e legalidade de suas deliberações”. Murillo José Digiácomo - Promotor de Justiça. Disponível em: http://www.redeamigadacrianca.org.br/artigo_transpareciacmdca.htm;
PAZ, Rosangela D. O.da. “Código de Ética: Reafirmar a função pública de conselheiros e conselheiras”. CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social. Disponível em: http://www2.abong.org.br/final/download/8_rosangela.pdf;
RESOLUÇÃO Nº 106 DE 17 DE NOVEMBRO DE 2005, CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - anexo Recomendações para elaboração de leis municipais, estaduais e nacional de criação e funcionamento de Conselhos dos Direitos. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/conanda/resolucao106_2005.htm;
“A legalidade”. Artigo publicado no periódico Jornal da Cidade (Caxias – MA), em 28/11/2004. Máriton Silva Lima. Disponível em: http://www.correcaodetextos.adv.br/art94.htm; http://www.angelfire.com/ar/rosa01/direito11.html; http://www.rits.org.br/legislacao_teste/lg_testes/lg_tmes_maio99.cfm;
“Controle democrático com garantias de direitos”. PEREIRA. Potyara Amazoneida P. Pereira. . Subsecretaria dos Direitos Humanos, Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2005. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/cndi/SEDH_controle_2005.pdf.

Autoria: Maria de Lourdes Alves Rodrigues
Colaboração: Maria Letícia Puglisi Munhoz
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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