7 de jan. de 2011

Aula 3 - Controle Social e Conselhos de Direitos no Brasil

O processo constituinte aprofundou a questão colocada pelo movimento social ao final da década de 70 e início dos anos 80 sobre a democratização do Estado e os mecanismos necessários para torná-lo público (publicização).

Segundo Moroni, “o movimento traz para o processo constituinte, além da democratização e publicização do Estado, a necessidade de controle social, em cinco dimensões: formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e financiamento das políticas públicas.”

Como vimos na aula passada, a Constituição de 1988 apresentou grandes avanços em relação aos direitos sociais, introduziu instrumentos de democracia direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular), instituiu a democracia participativa e abriu a possibilidade de criação de mecanismos de controle social, como, por exemplo, os conselhos dos direitos, de políticas e de gestão de políticas sociais específicas.

Os conselhos como mecanismos de participação e de legitimidade social iniciam-se no Brasil, segundo Gohn (1995), como fruto da organização e das lutas sociais. A mediação povo-poder por meio dos conselhos como esferas públicas de exercício do poder no Brasil, surgem nas décadas de 1970-93. Dentre os tipos básicos de conselhos criados ao longo desse período, alguns aparecem na cena política a partir da iniciativa popular ainda durante a ditadura, como os conselhos comunitários e outros foram criados por exigências constitucionais e legais, como os conselhos de políticas públicas e os de direitos.

É com o retorno do exercício dos direitos civis e políticos que os conselhos, como esferas públicas, entram em cena na institucionalidade democrática, como mecanismos institucionais de participação da sociedade civil organizada. A 1“Participamos, e daí?”- artigo de José Antônio Moroni, membro do Colegiado de Gestão do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos – Inesc, dezembro de 2005.

Constituição de 1988 cria as condições jurídico-políticas para a criação e funcionalidade de órgãos de natureza plurirepresentativa com função de controle social e de participação social na gestão da coisa pública. Os conselhos de políticas públicas e de direitos são, portanto, formas concretas de espaços institucionais de exercício da participação social.

Segundo Frischeisen, “a implementação efetiva dos direitos depende da realização de políticas públicas, cujas linhas gerais estão previstas na Constituição Federal, assim como a participação popular na elaboração, na formulação, dentre outras, das políticas públicas da saúde, assistência social, educação e direitos da criança e do adolescente. Essa participação se dá através dos conselhos respectivos, em especial dos Conselhos Municipais, aqueles que mais próximos estão dos interesses da comunidade, que são, portanto, gestores de políticas públicas”.

Arzabe enfatiza a necessidade de “leis, regulamentos e medidas públicas de promoção e fortalecimento desses direitos, e os direitos sociais podem somente ser realizados por meio das políticas públicas, que fixam de maneira planejada diretrizes e os modos para a ação do Poder Público e da sociedade”.

Os conselhos institucionalizados a partir da Constituição de 88 são órgãos colegiados, permanentes, consultivos, deliberativos, incumbidos, de modo geral, da formulação, supervisão e avaliação das políticas públicas de garantia dos direitos humanos, em âmbito federal, estadual e municipal.

Se em nível nacional os conselhos de políticas públicas como saúde, educação e outros, foram sendo paulatinamente criados como órgãos de gestão e monitoramento da gestão das políticas sociais no campo dos conselhos de direitos e defesa dos direitos humanos, só após a Constituição Cidadã de 1988, com a institucionalização do Estado Democrático de Direito, é que os órgãos de defesa dos direitos humanos ampliam-se na cena política brasileira.

No âmbito nacional, no campo dos direitos humanos, pelo menos dois destes conselhos merecem referência por sua criação pioneira, anterior à Constituição de 88. São eles: o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM.

O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de âmbito nacional foi criado pela Lei 4.319 e sancionada em 16 de março de 1964, numa conjuntura política crítica, anterior ao golpe militar de 31 de março de 1964. Com o processo ditatorial desfavorável ao exercício dos direitos civis e políticos, o CDDPH figurou por muito tempo com funções legais de promoção e defesa dos direitos humanos impossíveis de efetuação, tais como:

Intervir na promoção, defesa e divulgação dos direitos da pessoa humana (...) receber representações ou denúncias de violações de direitos humanos (...) determinar diligências (...) promover inquéritos e investigações em qualquer parte do país (...) tomar depoimentos de autoridades (...) inquirir testemunhas (...) requisitar às repartições públicas e os agentes públicos informações e documentos (...) transportar-se para lugares onde se fizer mister a sua presença.

Sua instalação só ocorreu em 24 de outubro de 1968, mas sua atuação foi muito restrita no período ditatorial, uma vez que as denúncias de violações eram prontamente arquivadas. Durante o período da “Nova República” segundo Espínola, é que o CDDPH começou a receber as denúncias de violações de direitos humanos. Mas somente após a Constituição Federal, a partir de 1993, o conselho passou a ter um importante papel na articulação com a sociedade civil no sentido de avançar a legislação interna de proteção dos direitos humanos e os encaminhamentos de adesão aos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos.

O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher surge a partir das lutas e reivindicações dos movimentos sociais feministas e de mulheres impulsionado na década de 70 com a instituição do Ano Internacional da Mulher, em 1975, pela ONU. “Em agosto de 1985, finalmente, foi atendida a histórica reivindicação das mulheres e criado o Conselho Nacional de Direitos das Mulheres, vinculado ao Ministério da Justiça, por intermédio de Lei, com o objetivo de promover em âmbito nacional, políticas que visem a eliminar a discriminação da mulher, assegurando-lhe condições de liberdade e igualdade de direitos, bem como sua plena participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país. A mesma Lei cria o Fundo Especial de Direitos da Mulher que dotaria o CNDM dos recursos necessários para o desenvolvimento de suas atividades. A estrutura do CNDM era, então: Conselho Deliberativo, Assessoria Técnica e Secretaria Executiva.”.

No período pré-Constituição, o CNDM articulou junto com os movimentos feministas e de mulheres, com os conselhos estaduais e municipais e com a bancada feminina no Congresso Nacional, estratégias visando a inclusão dos direitos humanos das mulheres na Constituição de 1988. A campanha “Constituinte para valer tem que ter palavra de mulher” e o “Lobby do batom” resultaram na “Carta das Mulheres aos Constituintes”. Em 1988 a nova Constituição incorporou a maioria das reivindicações deste movimento.

Em comum, estes dois conselhos são órgãos colegiados, de caráter consultivo e integrantes respectivamente, da estrutura da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, ambos da Presidência da República, com status de Ministérios.

Entre os conselhos ancorados ou criados a partir da Constituição de 88, vale uma distinção a quatro que foram regulamentados por meio de legislação ordinária. São eles os conselhos de saúde, de assistência social, dos direitos da criança e do adolescente e do idoso. Estes conselhos, como destaca Arzabe, “são caracterizados pelo poder deliberativo de todas as suas atribuições, seja de formulação de políticas, seja de controle ou de avaliação e implica a vinculação do governo em cada uma das instâncias de deliberações do colegiado”.

Nas próximas aulas, falaremos um pouco mais sobre as características e atribuições dos conselhos dos direitos. Até lá.


Referências bibliográficas
GOHN, M. G. M. História dos Movimentos e Lutas Sociais. São Paulo: LOYOLA, 1995.
MORONI, José Antônio, “Participamos, e daí?”- artigo publicado pelo Observatório da Cidadania, membro do Colegiado de Gestão do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos – Inesc, dezembro de 2005, disponível em: http://www.ibase.br/pubibase/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1183&sid=127
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca, “Políticas Públicas: Planejamento, Desenvolvimento e Fiscalização - Conselhos Gestores e Democracia Participativa
— O papel do Ministério Público”, disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/luizacf.htm
ARZABE, Patrícia Helena Massa, “Conselhos de Direitos e Formulação de Políticas Públicas”, disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/patriciamassa.htm
LYRA, Rubens Pinto, “Os conselhos de direitos do homem e do cidadão e a democracia participativa” , texto disponível em: http://www.dhnet.org.br/w3/ceddhc/ceddhc/rubens2.htm
“CNDM – Breve Histórico” – site da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, disponível em: http://www.presidencia.gov.br/spmulheres/cndm
“Histórico do CNDCM” – disponível em: http://www.wmulher.com.br/template.asp?canal=etiqueta&id_mater=2660


Links interessantes

Autoria: Maria de Lourdes Alves Rodrigues
Colaboração: Célia Maria Escanfella
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

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